sexta-feira, 14 de março de 2014

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA


A mãe disse que carregar água na peneira


                                                     


A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

     A mãe reparou que o menino
     gostava mais do vazio
     do que do cheio.
     Falava que os vazios são maiores
     e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira




    No escrever o menino viu
     que era capaz de ser
     noviça, monge ou mendigo
     ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.




Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.



Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens

e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos.
 



MANOEL DE BARROS

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) em 19 de dezembro de 1916. Além de poeta, é também advogado e fazendeiro. Fez curso sobre cinema e sobre pintura no Museu de Arte Moderna. Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, cidade onde residiu até terminar seu curso de Direito, em 1949. Seu primeiro livro  foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou "Poemas concebidos sem pecado".

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